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Nova regulação dos Juros Moratórios: O que muda com a Lei nº 14.905/2024

João V. V. Doreto

As recentes alterações nas regras que regem os juros moratórios e a correção monetária prometem trazer maior clareza e uniformidade às relações contratuais no Brasil. Essas mudanças têm o potencial de afetar significativamente contratos, dívidas e obrigações financeiras, impactando tanto empresas quanto indivíduos. Neste texto, analisaremos as principais modificações introduzidas, seus impactos no cenário jurídico-financeiro e os desafios que ainda persistem.

A definição da taxa de juros moratórios legais sempre foi um tema complexo e fonte de controvérsias. A falta de precisão na legislação anterior permitia interpretações divergentes, resultando em conflitos entre credores e devedores e decisões judiciais inconsistentes. Essa situação gerava insegurança jurídica e dificultava a previsibilidade nos negócios, aumentando o risco de litígios.

Para enfrentar esses desafios, entrou em vigor a Lei nº 14.905/2024, que trouxe alterações significativas ao Código Civil brasileiro. Uma das principais mudanças foi a consolidação da Taxa Selic, deduzida da correção monetária pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), como a taxa oficial para os juros moratórios legais. Essa medida busca evitar a sobreposição entre juros de mora e correção monetária, proporcionando um cálculo mais transparente e equitativo das dívidas em atraso.

Antes dessa lei, o artigo 406 do Código Civil referia-se a uma taxa “em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”, o que gerava ambiguidade. Essa redação permitia a aplicação tanto da Taxa Selic quanto de uma taxa fixa de 1% ao mês prevista no Código Tributário Nacional. Essa dualidade resultava em decisões judiciais conflitantes, com tribunais estaduais frequentemente aplicando a taxa de 1%, enquanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se posicionava pela aplicação da Selic, que englobava juros e correção monetária.

A aplicação da Selic, entretanto, não estava isenta de críticas. Por incluir a correção monetária em sua composição, havia o risco de sobreposição de índices, além de a Selic ser uma taxa flutuante, influenciada por políticas monetárias, podendo não refletir com precisão a inflação passada ou a depreciação real da moeda.

Com a nova legislação, a separação entre juros moratórios e correção monetária tornou-se mais clara. A Taxa Selic será utilizada para os juros de mora, mas deduzida do IPCA, que passa a ser o índice padrão para a correção monetária, conforme atualização do parágrafo único do artigo 389 do Código Civil. Essa padronização visa reduzir a insegurança jurídica e aumentar a previsibilidade nas relações contratuais.

Além disso, a Lei nº 14.905/2024 atribuiu ao Conselho Monetário Nacional (CMN) a responsabilidade de definir a metodologia de cálculo da taxa legal, resultando na Resolução CMN nº 5.171/2024. Essa resolução estabeleceu fórmulas específicas para o cálculo, combinando elementos de juros simples e compostos. No entanto, a metodologia adotada pelo CMN foi alvo de críticas por sua complexidade e por utilizar o IPCA-15 em vez do IPCA[1], o que pode gerar divergências nos cálculos.

Outra mudança relevante é a maior flexibilidade nas negociações entre empresas. A nova lei permite que pessoas jurídicas estipulem taxas de juros livremente em seus contratos, sem a aplicação das restrições da Lei de Usura. Isso amplia a autonomia das partes nas relações empresariais, embora mantenha as limitações tradicionais nas relações envolvendo pessoas físicas, o que pode gerar debates sobre igualdade de tratamento.

Apesar dos avanços, persistem algumas lacunas e desafios interpretativos. A separação entre juros e correção monetária, embora necessária, pode apresentar dificuldades práticas, especialmente quando os termos iniciais de incidência não coincidem. Além disso, a lei não esclarece se a Selic a ser aplicada será a mesma utilizada para as dívidas públicas ou se haverá adaptações, o que pode levar a divergências sobre a capitalização dos juros.

A metodologia definida pelo CMN também foi questionada por não seguir estritamente o que determina a lei, especialmente ao utilizar o IPCA-15, e por introduzir fórmulas complexas que podem dificultar a aplicação prática e gerar inconsistências nos cálculos.

Em resumo, as alterações promovidas pela Lei nº 14.905/2024 e pela Resolução CMN nº 5.171/2024 representam um esforço significativo para trazer maior uniformidade e clareza ao regime dos juros moratórios e da correção monetária no Brasil. Contudo, a efetividade dessas mudanças dependerá da interpretação cuidadosa dos operadores do Direito, para garantir que as novas normas sejam aplicadas corretamente e que as lacunas existentes não comprometam a segurança jurídica almejada.

Principais Alterações:

  1. Taxa de juros moratórios: alteração do artigo 406 do Código Civil para estabelecer a Taxa Selic, deduzida da correção monetária pelo IPCA, como a taxa de juros moratórios legais.
  2. Correção monetária padronizada: o parágrafo único do artigo 389 do Código Civil determina que, na ausência de estipulação contratual, o índice de correção monetária será o IPCA.
  3. Metodologia definida pelo CMN: atribuição ao Conselho Monetário Nacional para definir a metodologia de cálculo da taxa legal, resultando na Resolução CMN nº 5.171/2024.
  4. Separação entre juros e correção monetária: a nova legislação promove uma separação clara entre juros moratórios e correção monetária, evitando a sobreposição e traz maior clareza ao sistema de atualização de dívidas.
  5. Flexibilidade contratual entre Pessoas Jurídicas: maior liberdade para a estipulação de juros em contratos entre pessoas jurídicas. Fica estabelecido que a Lei de Usura não se aplica a essas relações, aumentando a flexibilidade nas negociações empresariais.

Principais Lacunas e Desafios:

  1. Dificuldades na aplicação prática: a separação entre juros moratórios e correção monetária pode gerar confusões na prática, especialmente quando os termos iniciais para cada um não coincidem.
  2. Incertezas sobre a Selic aplicável: a lei não esclarece se a Selic utilizada será a mesma aplicada às dívidas públicas ou se haverá adaptações. Assim, podem surgir divergências interpretativas sobre a capitalização dos juros (simples ou composta).
  3. Metodologia controversa do CMN: a Resolução CMN nº 5.171/2024 introduziu fórmulas complexas e utilizou o IPCA-15 em vez do IPCA. O que tem gerado críticas e podem gerar possíveis inconsistências nos cálculos, podendo não refletir estritamente o dispositivo legal.
  4. Desigualdade entre Pessoas Físicas e Jurídicas: a manutenção das limitações da Lei de Usura para pessoas físicas, enquanto pessoas jurídicas têm maior flexibilidade, o que pode gerar interpretações divergentes e tratamento desigual nas relações contratuais.
  5. Impacto em contratos existentes: a nova legislação deixa dúvidas quanto à sua aplicação em contratos já vigentes, o que pode gerar insegurança jurídica na transição para as novas regras, exigindo atenção dos operadores do Direito.


[1] O IPCA e o IPCA-15 são índices de inflação calculados pelo IBGE que medem a variação de preços ao consumidor; a principal diferença é que o IPCA reflete a inflação mensal completa, com dados coletados durante todo o mês e divulgado no mês seguinte, enquanto o IPCA-15 é uma prévia do IPCA, coletando preços do dia 16 do mês anterior ao dia 15 do mês atual e sendo divulgado ainda dentro do próprio mês.